A Sé de Évora, pólo fulcral na produção de música sacra portuguesa no renascimento português, constitui o eixo central de onde provêm a maioria dos compositores que integram usualmente o que se domina de geração de ouro da polifonia portuguesa: Duarte Lobo, Estêvão de Brito, Estêvão Lopes Morago, Filipe de Magalhães e Manuel Cardoso.
Por outro lado, pertence também a esta geração o nome de Pedro de Cristo, provindo embora do outro centro de ensino e prática de música sacra nesta época: o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
De entre todos estes nomes, um tem sido negligenciado até certo ponto – e de forma surpreendente – no que à interpretação e até à investigação da sua música diz respeito: Estêvão Lopes Morago. Apesar deste oblívio, Morago é considerado um dos mais talentosos compositores do período áureo da polifonia portuguesa do Renascimento. Nascido em Vallecas (Madrid, Espanha) por volta de 1575, Morago é admitido com oito anos de idade na Sé de Évora como moço de coro, e durante a sua passagem por Évora, Morago será colegial do colégio dos moços de coro como aluno de Filipe de Magalhães de 1592 até 1596, ano em que se gradua «Bacharel em Artes», tal como nos indica Manuel Joaquim no seu estudo e publicação de obras de Lopes Morrago (Joaquim, Manuel (1961), Estêvão Lopes Morago – Várias Obras de Música Religiosa «A Cappella». Lisboa: Portugaliae Musica, Fundação Calouste Gulbenkian).
Esta mesma fonte indica-nos que a 15 de Agosto de 1599 «entrou ao serviço da Sé de Viseu, como Mestre-de-Capela». É nesta cidade que permanece até 1628, ano em que se crê terá ocorrido a sua morte, provavelmente no Mosteiro de Orgens, nos arredores de Viseu.
De Morago chegam-nos até hoje aparentemente apenas dois códices manuscritos. Entre as obras que conhecemos de Lopes Morago, está a Missa in Adventu que integrou o Concerto de Reis na Casa São Roque, numa transcrição para notação moderna de José Abreu (Universidade de Coimbra).
Ainda não tendo merecido gravações consistentes da sua música até hoje, Estêvão de Brito é outro dos compositores renascentistas portugueses menos conhecidos do público atual. Nascido em Serpa por volta de 1570 e tal como Lopes Morago, é também aluno de Magalhães na Sé de Évora – de quem ouvimos o moteto Commissa mea pavesco, a seis vozes.
Brito tem um percurso exatamente inverso ao de Morago: sendo português, é em Espanha que desenvolve praticamente toda a sua atividade. Após ter estudado em Évora, Estêvão de Brito era já mestre de capela da Sé de Badajoz por volta de 1597, tendo ido em 1613 para a catedral de Málaga, desempenhando essas mesmas funções que, curiosamente, tinham sido 50 anos antes exercidas por Cristóbal de Morales. É em 1641 que morre em Málaga, deixando uma obra que se crê considerável. Uma parte substancial dela desapareceu no terramoto de Lisboa de 1755, já que integrava a vastíssima livraria de D. João IV. No catálogo sobrevivo editado por Pedro Craesbeeck (“Primeira parte do index da livraria de música do muyto alto, e poderoso Rey Dom João o IV”, 1649) encontram-se listados vilancicos de Natal, um tratado de música e vários motetes a 4, 5 e 6 vozes. Quer em Málaga, quer em Badajoz, encontram-se registos da atribuição a Brito de tempo livre para a composição de vilancicos para as celebrações de Natal e de Corpo de Cristo, o que permite supor um grande acervo de composições deste tipo, infelizmente perdidas.
Vidi Dominum a 8 vozes, a obra de Brito a dois coros que se escutou no final do concerto (e que não mereceu até hoje gravação) demonstra um estilo próprio, que usa como técnicas composicionais várias ferramentas, tais como a multiplicidade de texturas através da utilização dos dois coros, o uso de valores sincopados como forma de dar destaque a determinadas passagens do texto latino e uma estética exuberante que o diferencia de compositores como Manuel Cardoso ou Filipe de Magalhães.
(texto: Pedro Teixeira)
No passado dia 5 de Janeiro de 2025, os Cupertinos – vencedores do Prémio Gramophone Classical Music Awards 2019, Distinguidos com PREIS DER DEUTSCHEN SCHALLPLATTEN KRITIK BESTENLISTE e Premiados com Melhor Álbum Música Clássica/Erudita 2021 PLAY Prémios da Música Portuguesa – atuaram na Casa São Roque, com um Concerto de Reis único. Veja como foi: